domingo, 3 de julho de 2011

EFEITOS DAS VITAMINAS DO COMPLEXO B E DOS ÁCIDOS GRAXOS ÔMEGA 3 NA DOENÇA CARDIOVASCULAR

28-02-2011 - Efeitos das vitaminas do complexo B e dos ácidos graxos ômega 3 na doença cardiovascular: um estudo randomizado controlado por placebo

Galan P, Kesse-Guyot E, Czernichow S, Briancon S, Blacher J, Hercberg S; SU.FOL.OM3 Collaborative Group. Effects of B vitamins and omega 3 fatty acids on cardiovascular diseases: a randomised placebo controlled trial. BMJ. 2010 Nov 29;341:c6273. doi: 10.1136/bmj.c6273.

Objetivo: Investigar se a suplementação dietética com vitaminas do complexo B ou ácidos graxos ômega 3, ou ambos, pode prevenir eventos cardiovasculares maiores em pacientes com história de doença cardíaca isquêmica ou acidente vascular encefálico (AVE).

Desenho: Estudo duplo cego, randomizado, controlado por placebo; delineamento fatorial.

Local: Recrutamento na França através da rede de dados de 417 cardiologistas, neurologistas e outros médicos.

Participantes: 2.501 pacientes com história de infarto do miocárdio, angina instável ou AVE isquêmico.

Intervenção: Suplementação dietética diária com 5-metiltetrahidrofolato (560µg), vitamina B6 (3mg) e vitamina B12 (20µg) ou placebo; e ácidos graxos ômega 3 (600mg de ácido eicosapentaenoico e ácido docosahexaenoico em uma proporção 2:1) ou placebo. A duração mediana da suplementação foi de 4,7 anos.

Principais desfechos medidos: Eventos cardiovasculares maiores, definidos como uma composição de infarto do miocárdio não fatal, AVE ou morte por doença cardiovascular.

Resultados: A alocação para vitaminas do complexo B diminuiu as concentrações plasmáticas de homocisteína em 19%, comparada ao placebo, mas não teve efeitos significativos sobre eventos vasculares maiores (75 versus 82 pacientes, razão de risco, 0,90 [intervalo de confiança 95% 0,66 a 1,23; P = 0,50]). A alocação para ácidos graxos ômega 3 aumentou as concentrações plasmáticas de ácidos graxos ômega 3 em 37%, comparado ao placebo, mas também não teve efeito significativo sobre eventos vasculares maiores (81 versus 76 pacientes, razão de risco 1,08 [0,79 a 1,47, P = 0,64]).

Conclusão: Este estudo não corrobora o uso rotineiro de suplementos dietéticos contendo vitaminas do complexo B e ácidos graxos ômega 3 para a prevenção de doença cardiovascular em pessoas com história de doença cardíaca isquêmica e AVE isquêmico, pelo menos quando a suplementação é introduzida após a fase aguda de um evento inicial.



Comentários

Anderson Ferreira Leite
Clínico Geral do Hospital das Clínicas da UFMG.

A homocisteína pode ser um fator causal para aterosclerose1 e estar associada à ocorrência de doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular cerebral (AVC). Em estudos experimentais, a homocisteína causa estresse oxidativo, lesão endotelial e aumenta a trombogenicidade2.

A suplementação de vitaminas do complexo B (folato, vitamina B6 e vitamina B12) diminui os níveis plasmáticos de homocisteína, podendo reduzir o risco de eventos vasculares em pacientes com doença cardiovascular estabelecida3. O mesmo se aplica para uma maior ingestão de ácidos graxos ômega-3 oriundos de peixe3-4, que supostamente possuem efeitos anticoagulantes, antiinflamatórios e antiateroscleróticos5. Há estudos apontando inclusive efeitos sinérgicos entre ingestão de folato, vitamina B6 e ácidos graxos ômega-3 sobre o índice aterogênico e concentração de fibrina em seres humanos3.

Apesar da existência de um racional biológico, a falta de estudos com delineamento apropriado e/ou desfechos de impacto impede uma conclusão definitiva acerca da causalidade inversa da suplementação de vitaminas do complexo B e ácidos graxos ômega-3 com recorrência de eventos cardiovasculares.

Visando uma evidência de maior impacto, Galan et al conduziram o estudo multicêntrico, duplo cego, randomizado e placebo-controlado SU.FOL.OM3, publicado em recente edição do periódico BMJ. Investigou-se, em pacientes com história de DAC e AVC, o efeito da suplementação dietética de vitaminas do complexo B e ácidos graxos ômega-3 sobre eventos cardiovasculares maiores, com base no poder redutor de homocisteína de tais substâncias. Tais eventos foram definidos como uma composição de infarto miocárdico não fatal, AVC ou morte por doença cardiovascular, sendo o desfecho primário analisado no estudo.

Foram avaliados 2.501 homens e mulheres com idade entre 45-80 anos e história de infarto miocárdico, angina instável ou AVC isquêmico ocorridos há mais de um ano antes do início do estudo. Fez-se suplementação dietética diária com 5-metiltetrahidrofolato (560µg), vitamina B6 (3mg) e vitamina B12 (20µg) ou placebo; e ácidos graxos ômega-3 (600mg de ácido eicosapentaenoico e ácido docosahexaenoico em uma proporção 2:1) ou placebo. O tempo de acompanhamento médio foi de 4,7 anos.

Os resultados não demonstraram efeitos significativos da suplementação de vitaminas do complexo B ou ácidos graxos ômega-3 sobre a incidência de eventos cardiovasculares maiores, apesar de a reposição de vitaminas do complexo B ter reduzido as concentrações plasmáticas de homocisteína em 19% e a reposição de ácidos graxos ômega-3 ter elevado as concentrações plasmáticas de ácidos graxos ômega-3 em 37%. Entretanto, o estudo possui uma importante limitação que deve ser ressaltada, que foi a pequena duração do acompanhamento para avaliar o impacto da intervenção proposta sobre eventos cardiovasculares.

Em relação à avaliação da suplementação de vitaminas do complexo B merecem destaque o estudo HOPE-26 (n = 5.522 pacientes) que mostrou efeito protetor sobre eventos cardiovasculares e os estudos VITA TOPS7 (n = 8.164 pacientes) e VISP8 (n = 3.680 pacientes) que não demonstraram benefícios.

Em relação à avaliação da suplementação de ácidos graxos ômega-3, destacam-se os estudos GISSI9 (n = 11.324 pacientes), JELIS10 (n = 18.645 pacientes) e GISSI-HF11 (n = 6.975 pacientes) que resultaram em redução da incidência de eventos cardiovasculares e o estudo Alpha-Omega12 (n = 4.837 pacientes) que não revelou benefícios.

Outros grandes estudos originais e meta-análises sobre o assunto apresentam resultados conflitantes, contudo destacam grande heterogeneidade metodológica, por avaliarem desfechos diferentes, utilizarem doses diversas de suplementos e possuírem tempos distintos de acompanhamento.

O estudo comentado, portando, não defende o uso de suplementos dietéticos contendo vitaminas do complexo B e ácidos graxos ômega-3 para prevenção de recorrência de eventos cardiovasculares em indivíduos com história de DAC e AVC isquêmico, especialmente quando a suplementação é introduzida após a fase aguda de um evento inicial. Todavia, ainda não há uma resposta definitiva sobre o assunto à luz das evidências atuais.


Referência

1. Potter K, Hankey GJ, Green DJ, Eikelboom J, Jamrozik K, Arnolda LF. The effect of long-term homocysteine-lowering on carotid intima-media thickness and flow-mediated vasodilation in stroke patients: a randomized controlled trial and meta-analysis. BMC Cardiovasc Disord. 2008 Sep 20;8:24.

2. The Heart Outcomes Prevention Evaluation (HOPE) 2 Investigators. Homocysteine Lowering with Folic Acid and B Vitamins in Vascular Disease. N Engl J Med 2006; 354:1567-1577April 13, 2006.

3. de Bree A, Mennen LI, Hercberg S, Galan P. Evidence for a protective (synergistic?) effect of B-vitamins and omega-3 fatty acids on cardiovascular diseases. Eur J Clin Nutr. 2004 May;58(5):732-44.

4. Kromhout D, Giltay EJ, Geleijnse JM; Alpha Omega Trial Group. n-3 fatty acids and cardiovascular events after myocardial infarction. N Engl J Med. 2010 Nov 18;363(21):2015-26. Epub 2010 Aug 28.

5. Sally D. Poppitt, PhD; Colin A. Howe, PhD; Fiona E. Lithander, PhD; Karen M. Silvers, PhD; Ruey-Bin Lin, MSc; John Croft; Yogini Ratnasabapathy, MBBS, FRACP; Robert A. Gibson, PhD; Craig S. Anderson, MBBS, FRACP, Ph D. Effects of Moderate-Dose Omega-3 Fish Oil on Cardiovascular Risk Factors and Mood After Ischemic Stroke. Stroke, 2009;40:3485

6. The Heart Outcomes Prevention Evaluation (HOPE) 2 Investigators. Homocysteine Lowering with Folic Acid and B Vitamins in Vascular Disease. N Engl J Med 2006; 354:1567-1577April 13, 2006

7. VITATOPS Trial Study Group. B vitamins in patients with recent transient ischaemic attack or stroke in the VITAmins TO Prevent Stroke (VITATOPS) trial: a randomised, double-blind, parallel, placebo-controlled trial.Lancet Neurol. 2010 Sep;9(9):855-65. Epub 2010 Aug 3.

8. Toole JF, Malinow MR, Chambless LE, Spence JD, Pettigrew LC, Howard VJ, et al. Lowering homocysteine in patients with ischemic stroke to prevent recurrent stroke, myocardial infarction, and death: the Vitamin Intervention for Stroke Prevention (VISP) randomized controlled trial. JAMA 2004;291:565-75.

9. Marchioli R, Barzi F, Bomba E, Chieffo C, Di Gregorio D, Di Mascio R, et al. Early protection against sudden death by n-3 polyunsaturated fatty acids after myocardial infarction: time-course analysis of the results of the Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell’Infarto Miocardico (GISSI)-Prevenzione. Circulation 2002;105:1897-903.

10. Yokoyama M, Origasa H, Matsuzaki M, Matsuzawa Y, Saito Y, Ishikawa Y, et al. Effects of eicosapentaenoic acid on major coronary events in hypercholesterolaemic patients (JELIS): a randomized open-label, blinded endpoint analysis. Lancet 2007;369:1090-8.

11. Gissi-HF Investigators, Tavazzi L, Maggioni AP,Marchioli R, Barlera S, Franzosi MG, et al. Effect of n-3 polyunsaturated fatty acids in patients with chronic heart failure (the GISSI-HF trial): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet 2008;372:1223-30.

12. Kromhout D, Giltay EJ, Geleijnse JM, for the Alpha Omega Trial Group. N-3 fatty acids and cardiovascular events aftermyocardial infarction. N Engl J Med 2010;363:2015-26.

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