terça-feira, 27 de setembro de 2011

QUEM FALARÁ POR LUIZ FERREIRA?

VERA ROMARIZ *



Assustada e perplexa com o assassinato do médico Luiz Ferreira, fiquei alguns momentos imobilizada ao ouvir a inesperada e terrível notícia na TV.
Eu o tinha visto em meu aniversário de 60 anos, com o meio sorriso que o caracterizava; depois, pela última vez,no aniversário de Rita, chegando perto da mesa principal,e perguntando bem humorado se havia algo para comer. Esfuziante e apaixonada, Rita logo indicou petiscos,com gestos ternos de bem querer, que emprestam significados a atos rotineiros. Lembro,ainda,um fato pitoresco que Rita relatou: diante da alegria de ver Mariana passar no vestibular de Medicina, Luiz virou menino e raspou a cabeça, entre risos. E agora,como para aquilatar a perda sempre irreparável,lembro cenas de uma alegria agora provisoriamente machucada da casa do Farol: o piano ,onde Rita tocava e Fátima Britto cantava os parabéns, o sorriso de Irene, o meu próprio sorriso, a comida árabe farta. Quem pôde machucar esse cenário? Quem teve o direito de rasgar essa pele familiar,unida e tersa? E mais: quem falará por Luiz?

Amiga e colega de Rita há tantos anos, senti apenas que precisava vê-la, dar-lhe colo, partilhar a dor e o sofrimento inexplicável, para os padrões humanos. Ela veio me visitar em minha cirurgia,acompanhou a luta,trouxe laranjas limas para acalmar o estômago machucado pela químio. E agora eu precisava vê-la, silenciar com ela,chorar com ela, dizer palavras tolas diante da enormidade da dor. Mas quem falará por Luiz,para indicar seus algozes? Quem contará os planos interrompidos, os netos esperados, os sonhos que constituem um direito dos homens de bem?
Quando um homem de bem é brutalmente machucado, todos nós,cidadãos de bem,também o somos; porque os humanos(não os monstros) somos um espécie, assentada em valores essenciais de respeito à diferença e direito à saúde e à vida. Com Luiz morre um pouco de nós, pois como pais e mães lutamos pelo direito de acompanhar a trajetória de nossos filhos, dos sobrinhos, dos filhos dos amigos queridos, extensão de uma família.

Quando um ser humano decente é ferido como foi Luiz, e sua família mutilada, todos nos sentimos parceiros dessa estranha mutilação: a perda provisória do sorriso, pois a alegria é um direito,como qualquer outro. E Rita e Luiz construíram uma casa alegre, mesa aberta aos conhecidos, chá fresquinho, traços delicados de bem querer. Ao ver seus três filhos (que vi ainda no ventre de Rita) penso que ele precisa sobreviver na memória de todos os que o amaram; num certo jeito de Pedro,na fala comedida de Diego, nas sessões de estudo de Mariana,que lerá não só os livros do pai, mas a dignidade que o caracterizou na profissão e na vida.

Quem falará por Luiz Ferreira? Os homens e mulheres de bem de Alagoas e de Anadia,provisoriamente machucados,mas não desaparecidos;os que o amaram e respeitaram.E sua memória,sempre muito maior que a de seus algozes,mesquinhos e sórdidos.

Há petiscos na mesa, Luiz. Eles sempre me lembrarão o seu meio sorriso. E quando as crianças sorrirem novamente, pensarei em você, que sempre sorriu com elas e as protegeu de forma discreta, presente e honesta como foi sua existência.
(*) É professora.

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