quarta-feira, 28 de julho de 2010

FALÊNCIA

Tenho plena certeza de que formos ludibriados. Fomos roubados. Ocorre que no final do ano de 1970 e começo de 1971, nossa farmácia entrou em falência.
Quase fechamos as portas. Não tínhamos quase nada no estoque de medicamentos para vender ao público. Nossa farmácia tinha estantes altas, com portas de correr, e vidros transparentes. Pouquíssimos remédios.
No balcão, na parte inferior, que tinha vidros e era iluminado por lâmpadas fluorescentes, eram exibidos as perfumarias, como sabonetes, colônias, perfumes, pastas, escovas de dentes e alguns medicamentos. Ficaram vazios.
Os fregueses, vendo o pequeno estoque de produtos, começaram a escassear... O movimento financeiro caía a cada dia.
Eu tinha 10 para 11 anos de idade. Já frequentava a farmácia desde meus 7 a 8 anos, e ajudava papai a vender os medicamentos. Ficava com ele até à noite, nos plantões que cada farmácia do centro de Maceió se comprometia a atender. Dormíamos em uma cama de tecido branco, tipo acampamento, no mezanino ao final da farmácia.
Gostava de ir para a farmácia. Era um divertimento para mim. Gostava de ver o movimento da rua do Comércio.
O sócio desfez a sociedade com meu pai, e ficou com a parte do Leão. Passou para ele o prédio, e meu pai ficou com o ponto e o resto dos medicamentos. Tivemos que pagar aluguel mensal ao nosso antigo sócio. E o dinheiro para fazer face às despesas?
Duas pessoas foram fundamentais em nossa recuperação. Tio Aloisio Costa Melo, irmão de nosso pai, e Tio Audísio, irmão de nossa mãe. Eles, se me recordo bem, emprestaram dinheiro para papai pagar as dívidas mais imediatas e comprar alguns medicamentos para vender, e Tio Aloisio começou a fazer a contabilidade do estabelecimento.
Neste mesmo período, para piorar as coisas, a visão de papai ficou gravemente prejudicada. Praticamente ficou sem enxergar, dependente dos outros;Tive que viajar com ele para o Rio de Janeiro, para consultar eminente oftalmologista, mas pouca coisa pode ser feita. O glaucoma prejudicou demais sua vista, e ele perdeu a visão do olho direito. Ficou enxergando muito pouco pelo olho esquerdo.
Nossa mãe Nercy foi obrigada ater que trabalhar. Meu pai, pela deficiência visual, não podia assumir sozinho as responsabilidades do negócio. Ela e todos os filhos. Lúcia, Lígia, Abelardo e eu tivemos de dar a nossa contribuição diária na drogaria. Não podíamos pagar a muitos funcionários.
Mamãe, inexperiente com comércio, ficava no caixa. Os filhos ficavam na venda dos medicamentos e no empacotamento, na entrega dos mesmos.
Começava neste momento o nosso sofrimento. Mas todos unidos, lutamos juntos por nossa sobrevivência.
Um fato que relembro com tristeza profunda era o de olhar para o nosso balcão, e vermos o vazio. Algumas poucas caixas de sabonetes. Desolador!
Para disfarçar, nossa mãe Nercy, brava e lutadora, começou a fazer crochê e expôs seu trabalho no balcão e em uma grande vitrine de vidro que tinha atrás do balcão da frente da farmácia.
Eram bonecas vestidas com roupinhas de crochê, e outros bibeloques que mamãe fazia com uma paciência e uma garra indescritíveis.
Mamãe, com sua alegria e simpatias contagiantes, começou a indicar medicamentos e fazer suas amizades. Lentamente, a freguesia voltou, e começamos o lento processo de recuperação.
Papai, angustiado, sem poder enxergar, passou a controlar pela sua inteligência e memória a compra de medicamentos e correlatos. Ligava para os donos de farmácia, amigos e concorrentes, para pedir crédito, e comprava sempre na Drogaria Globo, pois recebia um pequeno desconto para revender os medicamentos. Eu  ia, pela tarde, aos bancos para pagar as duplicatas.
As grandes representações não queriam vender para nossa farmácia, pois não tínhamos crédito na praça, e papai tinha que fazer estas compras a outras farmácias. Não sei como conseguimos sobreviver. Misericórdia Divina!
Tínhamos um livro caixa, em que escrevíamos os recursos financeiros que entravam e as despesas. Na página à esquerda, ficava o Movimento do Dia. Era o que vendíamos das 07 da manhã às 07 da noite.
Lembro-me da letra bonita e redonda da mamãe, anotando tudo o que meu pai, abusado e zangado, mandava ela fazer. Aos sábados, quando abríamos das 07 às 13 horas, o movimento caía muito.
Eu ficava profundamente preocupado com o pouco dinheiro que entrava na farmácia. Este dinheiro ficava guardado no cofre verde, com duas portas, e era aberto por uma chave amarelada, velha.
Tinha uns compartimentos dentro, onde papai separava as cédulas. Ao lado, ele guardava os talões de cheques, e alguns documentos importantes.
A frente do velho e grande cofre, ficava um display com os medicamentos do Dr. Ross. Aí ficavam organizados as caixas dos medicamentos de venda em retalho, em envelopes. Anador, Cibalena, Citrovit, e outros medicamento eram lá organizados, sempre em ordem alfabética, como papai determinava. Por trás do caixa, se localizava um mostruário onde exibíamos as latas de Leite Ninho, Nestogeno, Nan e neston e Farinha Láctea. Vendíamos tais ítens também! Embaixo do mostruário tinha uma vitrine de vidro, onde colocávamos os perfumes e outros produtos. Ao lado deste móvel, tinha um display de metal onde colocávamos os absorventes femininos, Modess, Serena e outros.
Importa dizer que conseguimos sair da falência, e fomos vencedores por Jesus!
Nosso pai e nossa mãe: Bravos e dignos lutadores. Exemplos de Vida!  Que Deus os abençoe!

Um comentário:

  1. Prezado Eugênio, muito bonita a sua história, e, confesso, ela me traz um grande alívio.
    Meu irmão iniciou uma sociedade com meu tio, e talvez por comodismo, talvez por confiança demais em alguém que já lida com empresa há anos e tem toda uma experiência a compartilhar, e até mesmo por ser a figura do tio, impondo respeito e confiança, ou ainda, talvez por negligência deste último, meu irmão, que entendia que era ele -tio- quem deveria auxiliá-lo a resolver os négócios e problemas da empresa, nos omitia a verdadeira situação financeira desta. Quando ficamos sabendo, o estrago já está grande demais, e as dívidas valem mais que a própria empresa. Tudo isso aconteceu num período em que a situação familiar não estava nada bem: pai, mãe e filhos todos distantes uns dos outros, situação deprimente. Esse "estouro" fez com que todos uníssemos nossas forças, idéias, e nos aproximou de novo, mostrando que sim, somos família ainda, e que temos "muitos alguém" com quem contar. A situação da empresa ainda não pode ser definida, pois só estamos remediando há uma semana, para ao fim de um mês, sentarmos e ver se há condições de prosseguir com sua atividade e ainda pagar os credores.Fico angustiada pelo fato de meu irmão ser muito jovem, formar este ano e tem tudo para ter um bom emprego na área, mas por conta disso, seu nome esta na "rua da amargura", e "preso" ao negócio e à sociedade.Ao falar de sua mãe, parece que estou vendo a minha, com seu jeitinho especial, tentado atrair e manter os clientes fiéis, sempre confiante em Deus e que pode ser revertida essa situação. Espero que assim como sua família, consigamos dar a volta por cima, e um dia podermos novamente respirar aliviados.
    Reservo-me ao sigilo, a fim de evitar problemas com essa minha declaração.Espero que entenda!

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